segunda-feira, 16 de abril de 2018
Tu não és de cá!
"Tu não és de cá!", "Onde deixaste a nave?", "Tu és estranha!"...
Quantos para além de mim terão crescido a ouvir estas frases, over and over again?
As crianças têm efectivamente um sexto sentido apurado para percepcionarem aqueles que não se encaixam. Não sei se alguma vez terei resposta para a questão: o que os fazia olharem para mim desconfiados e proferirem alguma das frases acima?
Eu sou do tempo das fraldas de pano e alfinetes de ama. Reza a história que embora meio estremunhada, não me mexia. Perante o assombro de meus progenitores, que me sabiam acordada e consciente. Mas uma consciência diferente, como se eu soubesse que tinha de estar sossegada, pois espernear e alfinetes não seriam uma boa combinação.
Um pouco mais crescida fui apelidada de "Bicho do Mato". Não gostava que as pessoas me agarrassem e tentassem dar beijinhos. Fixava o meu olhar imensamente sério e via as suas verdadeiras cores. Conseguia sentir a sua falsidade. Queriam dar-me beijinhos para agradarem ao adulto que me acompanhasse... mas porquê? Afastava-me. Se insistissem reagia! Com um belo de um pontapé. Com o tempo lá aprenderam a lição. Nunca tendo compreendido porque mimava e me deixava mimar por um núcleo reduzidíssimo de pessoas. Incapazes de compreenderem a pureza...
Nunca me incomodou o estar (fisicamente) sozinha. Até o preferia! As crianças terrenas gritam imenso para se comunicarem! Havia muito poucos com quem bastava um olhar e um sorriso. A mim bastava-me rodopiar e já estava noutro lugar. A minha imaginação permitia-me "ver" de forma diferente: se eu definisse que os galhinhos apanhados eram jóias era isso que eu via! Se definisse que estava numa densa floresta era isso que eu via, embora estivesse num parque com meia dúzia de árvores e arbustos. E os espelhos? Ahh... os espelhos! O que eu viajava e brincava dentro dos espelhos! Só voltava quando alguém me chamava ou o corpo reclamava de dorido. De tantas horas quieto na mesma posição.
Felizmente fui versada nas Letras bastante cedo. O que me permitiu independência para ler o que quisesse, quando quisesse! Devorei ávidamente todos os livros de fadas, princesas, dragões, magos, gnomos... Havia algo de estranhamente familiar. Como se em vez de estar a ler um livro, tivesse recebido uma carta de algém a contar um acontecimento da sua vida! Já não sei com que idade ouvi a frase, mas sinto que esteve comigo desde sempre: todas as histórias/lendas têm um fundo de verdade.
Embora a minha extrema sensibilidade fosse sobejamente conhecida, eu não fazia birras. Isso faz barulho! E nunca gostei de barulho! As lágrimas saltavam como uma cachoeira desgovernada. Em silêncio. Eu podia ser levava a qualquer lado. Desde que tivesse com que me entreter. Até agradecia não me pedirem para falar. Principalmente se não há efectivo interesse em me ouvir...
Apanhar objectos... Tenho alguma vergonha em admitir, mas creio que levei uns 9/10 anos até começar a tentar apanhar os objectos que caiam. Por algum motivo (ao qual eu era totalmente alheia) eu não me mexia quando via algo a cair. Limitava-me a fixar o dito objecto. Era suposto ele parar. Mas tal não acontecia! Creio que durante muito tempo fiquei mais baralhada que frustrada. Durante algum tempo limitei-me a ignorá-los. A ver se havia alguma reacção. Nada! Lá me convenci de que teria efectivamente de me mexer. Ao lado. Rasante. Apanhei! Finalmente lá percebi a dinâmica do movimento versus gravidade, e passei a conseguir calcular a sua trajectória.
Nunca percebi porque a minha ingenuidade era motivo de tristeza alheia. Eu acreditava efectivamente na bondade intrínseca dos seres que me rodeavam. Acreditava na redenção ( e atenção que fui educada por ateus). Trazia na memória (embora sem o saber) a forma de estar do meu Povo. E foi com pesar ( e muitas desilusões depois) que percebi que neste mundo a energia é mais densa. Nem sei quantas vezes me questionei se estaria no espaço temporal certo! E não fossem as semelhanças físicas questionar-me-ia sobre ser um duplo. (Nas histórias celtas existem crianças humanas trocadas por crianças de Encantados)
A sensibilidade era algo tão temido quanto apreciado. Recordo perfeitamente o espanto dos professores de Português perante a minha capacidade de ler além do que estava impresso no papel... Era tão óbvio! Mas ao que parece não esperado para alguém de tenra idade... A poesia fluia dos meus dedos como se sempre tivesse estado ali... latente. Granjeou-me algum prestígio na adolescência. Ao que parece aos poetas é permitido ser estranho! Como se é artista passa-se a ser excêntrico!
Assim que descobri a Arte (wicca) o meu Mundo começou a fazer algum sentido. Senti-me de algum modo amparada. Havia livros que corroboravam o que eu sabia! A manipulação de energia era algo inato, só me tinha esquecido de como se fazia! Aqui assumi a minha "estranheza" em pleno. Os pares podem não apreciar muito, mas respeitam quem sabe ler as cartas, o pêndulo e acender a velinha na Lua certa.
Nunca mais parei de buscar informação... ou deverei chamar-lhes: recordações?
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